Foi hoje publicada, em Diário da República, a Inscrição da «Festa das Cruzes» no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial, concluindo com êxito a candidatura apresentada pelo Município de Barcelos.
A inscrição da manifestação «Festa das Cruzes» no Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial reflete os critérios de admissão ao INPCI e destaca a importância de que se reveste esta manifestação do património cultural imaterial enquanto reflexo da identidade da comunidade envolvente e a sua profundidade histórica e evidente relação com outras práticas inerentes à comunidade.
O êxito da candidatura dá sequência a um ciclo de valorização do património imaterial concelhio, caso das produções do Figurado, da Olaria e do Bordado de Crivo.
Festa das Cruzes: fé; tradição; animação
A Festa das Cruzes espelha a crença, a fé e a devoção da comunidade cristã barcelense, mas também da região (e de outras zonas do país), primariamente na Santa Cruz e, posteriormente, na transmutação do Senhor Bom Jesus da Cruz. A população envolve-se na festividade e, anualmente, parece reencontrar-se, renovando os traços mais característicos da sua identidade. A festa constitui-se como fator de orgulho bairrista, pela sua dimensão em termos temporais e número de visitantes, quando é comparada com outras festividades minhotas. Neste sentido, tem um papel agregador das comunidades, já que nela participam as mais variadas faixas etárias. Comunhão festiva que não se restringe à devoção religiosa, antes se estende a uma manifestação de socialização muito mais diversificada e abrangente.
As principais vertentes da devoção e do culto religioso são missa solenizada, a missa solene e a procissão da Invenção da Santa Cruz, que nos últimos 30 anos têm sofrido poucas alterações substanciais.
No que concerne à programação mais laica, esta tem evoluído, acompanhando o progresso e o desenvolvimento social, cultural e económico da comunidade. Neste sentido, a romaria tem sido organizada de modo a introduzir elementos de programação que visam atrair e agregar faixas da população mais jovem e de outros gostos.
A Festa das Cruzes e o culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz continuam a constituir-se como uma manifestação anual reveladora de um forte sentido comunitário, que preserva e promove a identidade da cidade e do concelho; um elemento de coesão entre diversos grupos sociais que partilham o território do concelho.
Em conclusão, a Festa das Cruzes é um veículo de agregação e de transmissão dos valores, das crenças, das tradições e das práticas associadas a esta manifestação religiosa, social, cultural e etnográfica, e de garantia de perpetuação desta manifestação de culto.
Além de mobilizar a comunidade barcelense, a Festa arrasta multidões de todo o país e da vizinha Galiza, potenciando de forma significativa a valorização e promoção das tradições do concelho.
As origens
Com mais de 500 anos, a devoção ao Senhor Bom Jesus da Cruz nasceu de forma espontânea, emergindo do povo e, desde cedo, legitimada por nobres e senhores burgueses da Vila de Barcelos, sacralizando o local. Após uma procissão participada por todo o tecido social da vila, erigiu-se uma grande cruz de madeira junto ao Campo da Feira. Entretanto, foi criada a 1.ª Confraria da Santa Cruz, que teria a incumbência da gestão da primeira ermida, construída nos anos seguintes ao milagre de 1504. A esta, sucedeu-se a Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz que, no decorrer do século XVII, se decidiu pela construção do atual Templo. Para o efeito, foi criada uma Comissão, cujo primeiro objetivo foi avançar com uma subscrição pública de angariação de fundos para a realização da obra.
A construção decorreu entre 1705 e 1710 mantendo até hoje a traça inicial. É neste templo que se concentram as atividades de culto propriamente ditas. O acesso é livre e o espaço está aberto aos barcelenses e a todos aqueles que o visitam. Há momentos de celebração coletiva de culto todos os dias.
No Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz também se celebram casamentos, batizados, funerais e atos memoriais. Este espaço religioso é escolhido por inúmeros grupos sociais, entre os quais os ex-combatentes do exército português, para assinalarem os seus aniversários, dando uma componente de gratidão a Deus pela sua história. O Templo é o lugar central de toda a programação da Festa das Cruzes, não só porque se prepara de um modo especial pelos tapetes de flores, mas também pela missa solene e por ser local onde culmina a procissão da Invenção da Santa Cruz. O Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, beneficiando de uma localização privilegiada no centro da Cidade, tirando partido de estar no meio de dois espaços pedonais citadinos de excelência, ultrapassa o estrito âmbito local de devoção e fé, afirmando-se como ponto de encontro, local de referência, “praça pública” ao redor da qual se socializa, discute, convive, relaciona e comunga.
Em suma, os factos históricos desta manifestação entroncam-se com a história da cidade, do concelho e até do país; há uma relação de dinâmicas bidirecionais que não são meramente conjunturais, antes se prolongam no tempo, criando identidades, sedimentando crenças, afirmando valores.