O documento foi apresentado no decorrer da reunião ordinária do executivo de 28 de fevereiro, tendo o Presidente da Câmara Municipal, Miguel Costa Gomes, considerado que o relatório, à semelhança do que ele próprio tem defendido desde 2009, chega à conclusão de que o contrato foi “ruinoso e mal pensado”. Agora, diz o Presidente da Câmara, “é preciso que as pessoas assumam a sua responsabilidade e, acima de tudo, que a justiça funcione”.
Miguel Costa Gomes diz ainda que a condenação do Município de Barcelos por parte do Tribunal Arbitral, em 2012, é também a conclusão de que “nunca atingiremos os níveis de consumo que estão contratualizados”, mencionando as referências do relatório do Tribunal de Contas às recomendações do IRAR/ERSAR sobre o contrato de concessão.
Esta entidade “recomendava ao executivo anterior no sentido de não avançar com este contrato porque a sustentabilidade em que se apoiaram era muito frágil e, portanto, não dava garantias de sucesso”. O “executivo de 2005 a 2009 insistiu neste processo e não acatou as recomendações e agora o resultado esta aí. O penoso do contrato é que o Arbitral nos condenou a uma indemnização anual na ordem dos 5,9 milhões de euros”, concluiu Miguel Costa Gomes.
Tópicos principais do relatório
O documento produzido pelo Tribunal de Contas refere que o executivo municipal nos mandatos 2001 a 2005 e de 2005 a 2009 “não realizou qualquer estudo de viabilidade económica e financeira” da concessão”, “não elaborou qualquer estudo que suportasse a evolução da capitação” e “não existe no Município de Barcelos qualquer evidência que a minuta do contrato de concessão tenha sido elaborada pelos serviços municipais ou por assessoria externa contratada pelo município”. Para além disso, “o risco de procura é assumido pelo concedente (Câmara) a partir do valor de referência de 20% face às estimativas do caso base” e “também o risco financeiro da concessão acaba por ser assumido pelo concedente sempre que haja alteração superior a 20% do valor médio anual do indexante Euribor. A concessionária suporta o risco de procura e o risco financeiro até uma variação de 20%”
No que toca ao investimento e às alterações contratuais, a concessionária apresentou, entre 2005 e 2010, um plano de investimentos de cerca de 82 milhões. Em 2008, este plano foi alterado, tendo o município assumido a execução de algumas obras, reduzindo os encargos da concessionária. Com o pagamento da isenção de ramais e limpeza de fossas, a Câmara teve um custo de 5,7 milhões de euros.
Inicialmente, o contrato previa um montante de retribuição do concedente de 1,5 milhões; a partir de 2007, esse valor desceu para 300 mil euros anuais. Em 2012, a concessionária deixou de efetuar essa retribuição
Em julho de 2009 foram iniciadas as negociações entre a Câmara e a empresa concessionária “tendentes à reposição do equilíbrio económico da concessão”, mas as entidades não chegaram a acordo. Em dezembro de 2010 é constituído o Tribunal Arbitral, tendo este decidido, em janeiro de 2012, o seguinte: a Câmara tem de pagar 24.602,600€, referente ao período 2005 a 2009, e 5.897.179€ anual entre 2010 e 2035
O Município apresentou recurso para o Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), pedindo a anulação do acórdão do Tribunal Aribtral. Em janeiro de 2013, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga suspendeu o processo de execução até ao trânsito em julgado da sentença do TCAN
Em 2011, a Inspeçao Geral da Administração Local realizou uma inspeção ao Município de Barcelos tendo analisado este contrato de concessão. No decurso da ação inspetiva, a IGAL apurou um conjunto de factos que são suscetíveis de consubstanciarem a prática de ilícitos de natureza administrativa, contraordenacional e criminal. A inspeção produziu dois relatórios: o relatório principal, que versou sobre os factos praticados na fase do concurso público por parte do Presidente da Câmara em exercício de funções à data e das técnicas do Município de Barcelos que constituíam a comissão de análise das propostas; o relatório parcelar (responsabilidade financeira) foi comunicado na íntegra ao município de Barcelos e versou sobre a responsabilidade financeira do Presidente da Câmara e de alguns vereadores eleitos nos mandatos de 2001 a 2005 e de 2005 a 2009, pelo facto de terem votado favoravelmente duas deliberações da câmara municipal relativas à atribuição de subsídios aos munícipes de Barcelos para custear as ligações às redes públicas de abastecimento de água/saneamento de águas residuais e limpeza de fossas domésticas, no total de 5.780.336€.
A investigação do DCIAP originou um processo crime no âmbito do qual foram constituídos arguidos o anterior presidente da Câmara e uma técnica superior pela prática dos seguintes crimes: falsificação de documento; tráfico e influências; participação económica em negócio e corrupção passiva em ato ilícito.
Os antigos vereadores e duas funcionárias da Câmara Municipal foram constituídas arguidas pelos seguintes crimes: falsificação de documentos e abuso de poder.
Dois administradores e um funcionário da AdB foram constituídos arguidos pela prática do crime de participação económica em negócio.
Na apreciação da minuta do contrato, o IRAR advertiu para que a Câmara Municipal tivesse em atenção as recomendações por si apresentadas e que procedesse à sua revisão. O município de Barcelos considerou o referido estudo muito detalhado e desenvolvido, encontrando-se, também, definidos os investimentos a realizar (viabiliadade económica e financeira), pelo que não acatou as recomendações do IRAR sobre esta matéria.
Considerações finais do relatório
Nas considerações finais, o relatório diz que o contrato previa um consumo de água de 126 litros diários por habitante, mas na verdade esse consumo foi de 112 litros; em 2006 o consumo previsto era de 129 litros, mas diminuiu para 90; para 2007 era de 132 litros e o real foi de 81; em 2008 o consumo previsto foi de 135 litros e o real foi de 75; em 2009 a previsão era de 138 litros, mas o consumo real foi de 75 litros.
Ou seja, “o contrato de concessão previa um aumento progressivo do consumo de água, no entanto a realidade indicou uma redução dos mesmos. Ou seja, as previsões apresentadas, pelo Município de Barcelos, a concurso público não foram objeto de um estudo de viabilidade económico-financeira que suportasse os pressupostos técnicos apresentados pela concessionária”.
Sobre esta matéria disse a ERSAR: “Mais do que o modelo de partilha de riscos, foi a definição pelo município (antes do início do processo de concurso) de pressupostos que revelaram pouca aderência à realidade que tornou mais provável a verificação dos eventos que dão direito à reposição do equilíbrio”.
Por outro lado, diz ainda o relatório nas considerações finais, “não existem evidências de que o concedente (Câmara) tenha auditado ou validado os pressupostos técnicos e financeiros da proposta apresentada pela concessionária no sentido de garantir a consistência e a aderência dos mesmos com a realidade do projeto a contratualizar”.
Mais ainda, “o Município de Barcelos não acautelou as recomendações da ERSAR no sentido de garantir maior objetividade, rigor e transparência quanto às demonstrações financeiras apresentadas pela concessionária”; e “o modelo de partilha de riscos do contrato de concessão mostrou-se desequilibrado e lesivo para o Município de Barcelos”.
E, a terminar, refere o relatório: “Os custos envolvidos com este processo são o reflexo de sucessivas decisões lesivas para os interesses do Município de Barcelos”.